Cenário fiscal: O principal desafio do país no pós-pandemia

15/04/2021

Cenário fiscal: O principal desafio do país no pós-pandemia

Conforme apresentado em conteúdos anteriores, o ano de 2020 ficou marcado pela pandemia provocada pelo coronavírus. Medidas de isolamento social e restrições à atividade econômica foram as alternativas encontradas para conter a proliferação do vírus. Entretanto, apesar de serem eficientes no controle da pandemia, estas medidas impactaram fortemente a atividade econômica, fazendo com que os governos tivessem que oferecer amparo fiscal a seus países como forma de mitigar esses impactos na economia.

No Brasil, a situação não foi diferente e o panorama fiscal – que já era complicado – se deteriorou ainda mais. O país decretou situação de calamidade pública, o que permitiu o abandono das regras fiscais. Para 2021, a expectativa era de retomada do controle das contas públicas, dado que se esperava uma melhora na situação pandêmica – fruto do desenvolvimento de vacinas. Entretanto, essa melhora não aconteceu e o Brasil começou o ano na pior fase da pandemia, com UTI’s em capacidade máxima e com mais de 4 mil mortes diárias provocadas pela doença.

Diante disso, aumentaram as pressões por novos gastos públicos em medidas de combate aos impactos da pandemia e é a partir desse cenário que analisamos a atual situação fiscal brasileira.

A PANDEMIA E OS GASTOS DO GOVERNO

O orçamento do governo para o ano de 2020 – elaborado antes da pandemia – tinha como meta um déficit primário de R$ 124,1 bilhões. Entretanto, no contexto da pandemia, foi promulgado o decreto legislativo 6/20, reconhecendo a ocorrência do estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020.

Com isso, o governo ficou dispensado do atingimento dos resultados ficais propostos na elaboração original do orçamento e ganhou amparo jurídico para promoção de políticas públicas de enfrentamento à crise provocada pela Covid-19.  Na prática, o governo ficou autorizado a alocar novas despesas não projetadas no orçamento de 2020, gastando com infraestrutura médico-hospitalar, insumos e com programas de transferência de renda e de auxílios às empresas.

Conforme pode-se perceber na figura abaixo, os gastos da União com COVID-19 somaram R$ 524 bilhões em 2020, valor abaixo do previsto (R$ 604,7 bilhões). Grande parte dos gastos foram referentes ao auxílio emergencial a pessoas em situação de vulnerabilidade (R$ 293,11 bilhões). Em seguida, aparecem os gastos com auxílio Financeiro aos Estados, DF e Municípios, (R$ 78,25 bi). As medidas com benefícios emergenciais de Manutenção do emprego e da Renda também somam parcela expressiva, com R$ 33,50 bilhões de despesas pagas.

 

Figura 1: Gastos da União com COVID-19 em 2020;
Fonte: Tesouro Nacional. Elaboração: SOMMA Investimentos.

Por fim, um aspecto notável é que quando comparamos os gastos de combate à pandemia do Brasil com países em desenvolvimento, como o México, por exemplo, vemos que os gastos foram substancialmente maiores. Considerando que o país é um dos emergentes com um nível de endividamento mais elevado – Dívida Bruta do governo geral em 88,7% em 2019 – não é de surpreender que a situação fiscal do país tenha ficado ainda mais complicada.

A SITUAÇÃO FISCAL ATUAL E PERSPECTIVAS

Quando olhamos pela perspectiva dos gastos do governo – que aumentaram em decorrência da pandemia – fica evidente a deterioração fiscal das contas públicas na qual o ano de 2020 se encerrou. Entretanto, também é importante observarmos que a arrecadação foi bastante afetada pela contração da atividade econômica e, segundo dados da Receita Federal, a União arrecadou R$ 1,479 trilhão em 2020, recuo real de 6,91% em relação ao ano anterior.

Diante disso, as contas do setor público consolidado acumularam um déficit primário de R$ 702,95 bilhões no ano passado, o que equivale a 9,50% do PIB. O rombo fiscal foi recorde para um único ano, considerando a série histórica do Banco Central.

A expectativa era de que os gastos ficassem restritos ao ano de 2020, conforme o controle da situação pandêmica fosse acontecendo. Entretanto, o país entrou em 2021 em seu pior momento de pandemia, o que elevou as pressões de mais gastos públicos. Assim, para este ano, e para os próximos, o controle das contas públicas permanecem incerto e a única certeza é a dificuldade para o cumprimento do teto dos gastos.

Segundo expectativas do Boletim Focus, o resultado primário deste ano não deve ser tão impactado pelas medidas de combate à pandemia. Conforme mostra a figura abaixo, espera-se que o déficit termine o ano em 3,05% do PIB, apresentando evolução positiva nos próximos anos. A Dívida Bruta, por outro lado, deve seguir apresentando elevação nos próximos anos, apesar de este ano apresentar leve queda. Percebe-se, então, que o corte de despesas é fundamental para que não de perda o controle dela.

Figura 2: Resultados Fiscais
Fonte: Banco Central do Brasil: SOMMA Investimentos.

Por fim, é importante notar que a pandemia ainda apresenta situação crítica no país e que um controle maior da doença só deve ser observado com o avanço do processo de vacinação – o que deve acontecer em maior escala a partir do segundo semestre. Diante disso, uma nova rodada do auxílio emergencial já foi aprovada, fora do teto dos gastos, através da PEC Emergencial e novas medidas de manutenção de emprego e renda devem seguir a mesma linha, sendo adotadas por meio de novos créditos extraordinários. Como pode-se perceber, o ambiente segue cheio de incertezas, com os riscos fiscais para 2021 crescendo substancialmente.

PEC EMERGENCIAL

Com relação as medidas de ajuste fiscal, no mês de março foi aprovada pelo Congresso Nacional a PEC Emergencial, que aprimora as regras fiscais para situações futuras de calamidade. O texto criou um arcabouço fiscal permanente para o enfrentamento de novas situações de calamidade no futuro, não apenas para a União, mas também para estados e municípios. O projeto viabilizou, ainda, uma nova rodada de auxílio emergencial, com a abertura de crédito extraordinário no valor de até R$ 44 bilhões.

Contudo, é importante notar que a PEC não traz nenhuma medida de ajuste fiscal de curto prazo. Já no médio prazo, os gatilhos do governo federal – que estavam definidos no teto dos gastos – não devem ser acionados nos próximos 3 a 4 anos, a não ser que nesse período o governo aumente as despesas obrigatórias.

De maneira geral, apesar de trazer novos arcabouços fiscais e da inclusão de estados e municípios, a aprovação da PEC Emergencial trouxe mais gastos emergências em troca de medidas de ajuste fiscal futuras. Ela não instituiu medidas compensação fiscal suficientes para viabilizar a flexibilização demandada pela pandemia, de modo que todo o custo de novos gastos irá para a dívida pública. Ainda, ela não limitou o gasto extra teto no ano, com o limite de R$ 44 bilhões sendo ultrapassado caso ocorra a decretação de calamidade pública, ou caso novas medidas sejam aprovadas fora do teto.

ORÇAMENTO DE 2021

Por fim, além das incertezas relacionadas aos gastos de combate à pandemia, recentemente um impasse acerca do orçamento de 2021 ganhou destaque e aumentou as tensões entre o Planalto e o Congresso Nacional. O orçamento, que deveria ter sido aprovado ainda no ano passado, foi admito pelo congresso nacional com subestimação de despesas obrigatórias – artificio usado, principalmente, para liberar recursos para aumentar as emendas de interesse dos deputados. Com isso, o orçamento não pode ser executado da maneira que foi aprovado – governo pode incorrer em crime de irresponsabilidade fiscal – e, mesmo se todas as emendas não obrigatórias forem canceladas (seja por veto, seja por contingenciamento durante a execução do orçamento) ainda faltariam R$ 3 bilhões para recompor as despesas obrigatórias.

O presidente Jair Bolsonaro tem até o dia 22 de abril para sancionar a matéria, e apesar de diversas alternativas virem sendo apresentadas, ainda não ocorreu nenhuma definição. O presidente da Câmara, Arthur Lira, por exemplo, alega que o governo pode corrigir os “excessos” e garantir o pagamento de despesas obrigatórias. Ele defende que o Presidente aprove a matéria sem vetos e envie ao congresso um projeto de lei para corrigir os excessos de emendas parlamentares. O Ministro da Economia, Paulo Guedes, por outro lado, defende o veto do orçamento, o que tem causado impasse na questão.

Além disso, nos últimos dias, medidas mais alternativas foram consideradas, como a criação de uma “PEC fura-teto”. A ideia seria retirar despesas com saúde e despesas de outras medidas de combate à pandemia do teto dos gastos, abrindo espaço para as despesas obrigatórias subestimadas e para o pagamento de emendas parlamentares. A medida foi rechaçada pelos congressistas e acabou sendo descartada. No lugar, surgiu a ideia de aumentar a meta de déficit fiscal para esse ano, e acomodar novas medias de combate à pandemia fora do teto, por meio de créditos extraordinários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme pode-se perceber, a situação fiscal do país já era preocupante mesmo antes da pandemia atingir o país. O decreto de calamidade pública – que permitiu ao governo não cumprir a meta fiscal – e as medidas impostas para tentar conter os impactos da pandemia na economia, fizeram com o que o cenário se deteriorasse ainda mais.

Diferentemente do esperado, os gastos ficais não ficaram restritos à 2020, conforme a pandemia alcançou níveis críticos no início deste ano. Com isso, a pressão por novos gastos cresceu e às incertezas relacionadas ao controle dos gastos públicos aumentou.

É importante notar que, se consolidado, o abandono do teto de gastos pode fazer com que a dívida pública saia do controle. Mesmo com cumprimento do teto, aumento de juros mais fortes do que o previsto ou crescimentos do PIB abaixo do esperado também já são o suficiente para que se perca o controle da situação. Mais do que nunca o vírus está no comando e enquanto não tiver uma aceleração do processo de vacinação, os custos fiscais serão elevados.

Nota-se, também, que com as divergências acerca do orçamento as relações entre o planalto e Congresso se deterioram, de modo que o andamento de reformas deve permanecer comprometido. A menos que seja mudança política significativa não parece haver mais espaço para a aprovação de reformas consideradas essenciais para a retomada do crescimento econômico.

De maneira geral, percebe-se que a situação fiscal do país está bastante deteriorada e aprovação de medidas de contenção de gastos para o maior controle da dívida pública é um dos maiores desafios do país na agenda pós-pandemia.

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