04/09/2020
A inflação, que no Brasil é medida oficialmente pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), deve terminar 2020 abaixo do piso da meta de inflação para este ano (de 2,5%).
A pandemia do novo coronavírus foi determinante para a fraqueza da inflação em 2020, e mesmo a forte depreciação cambial ocorrida não impactou de maneira significativa o nível de preços – sobretudo porque a maior parte dos aumentos ficaram represados no atacado.
Este cenário benigno para a inflação – avaliado pelo seu patamar atual e pelas perspectivas e projeções – levou o Banco Central a cortar a taxa Selic para o seu menor patamar na história, de 2,00% a.a. Acreditamos que a manutenção deste cenário para a inflação fará com que a autoridade monetária mantenha a taxa de juros em um patamar baixo por um período prolongado, por conta da perspectiva de recuperação gradual da atividade econômica – condicionado à manutenção do regime fiscal atual, cuja principal âncora é a regra do teto de gastos.
Conforme apresentado na Figura 1, o IPCA acumulado de janeiro a julho deste ano ficou próximo a 0,5% – menor variação acumulada do índice desde o início de vigência do Plano Real.
As restrições impostas à circulação de pessoas impactaram negativamente a inflação de serviços – via quedas expressivas em preços de passagens aéreas, pacotes turísticos e menor demanda em restaurantes, por exemplo. Ao mesmo tempo, a recessão econômica – e o subsequente aumento expressivo do desemprego –, levou a uma redução na demanda por bens de consumo duráveis (automóveis, motocicletas etc.) e semiduráveis (vestuário, calçados e acessórios etc.).
Além disso, a inflação de preços administrados [1] – cuja variação acumulada em 12 meses está apresentada na Figura 2 – também apresentou desaceleração significativa. Entre os fatores que contribuíram para isso, podemos destacar: queda nos preços de combustíveis (sobretudo pela queda nos preços do petróleo que chegou a ser cotado em valores negativos), suspensão do reajuste de medicamentos, revisões menores nas tarifas de energia elétrica – assim como a manutenção da bandeira verde por parte da Aneel. Como resultado, esperamos que os preços administrados tenham alta de apenas 0,9% neste ano (ante alta de 5,5% em 2019).
Sempre enfatizamos que, para se ter uma avaliação mais precisa da dinâmica inflacionária, é preciso utilizar medidas que extraiam os itens mais voláteis e/ou suscetíveis a choques temporários do IPCA. Essas medidas são conhecidas como núcleos da inflação, ou medidas de inflação subjacentes.
A Figura 3 apresenta a média nos principais núcleos do IPCA. Como é possível perceber, a média dos núcleos se encontra abaixo do centro da meta de inflação desde meados de 2017; no patamar atual (2,15%), se encontra abaixo do piso da meta de inflação (2,5%) para este ano. Assim, os núcleos de inflação indicam que não há qualquer pressão inflacionária relevante pelo lado da demanda.
Ao contrário do IPCA, que permaneceu em um patamar baixo ao longo deste ano, o Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) – indicador utilizado usualmente para o reajuste de aluguel – apresentou alta significativa.
O IGP-M acumula alta de 9,64% nos oito primeiros meses do ano e de 13,02% nos últimos 12 meses, o que pode ser explicado pela sua própria composição. O IGP-M é composto por três índices de preços:
O IGP-M atribui peso de 60% para o IPA-M, 30% para o IPC-M e 10% ao INCC-M. Como ilustrado na Figura 4, o principal responsável pela aceleração do IGP-M foram os preços no atacado; enquanto o IPA-M acumula alta de 18,15% nos últimos 12 meses, a alta nos preços ao consumidor (2,34%) e à construção (4,44%) foi significativamente menor.
Uma das principais razões para a aceleração dos preços ao atacado está na depreciação do real neste ano, que encareceu os produtos importados. Ao mesmo tempo, a valorização de algumas commodities – como a soja (alta de aproximadamente 56% no ano) e o minério de ferro (alta de 47% no ano, em dólares) – também impacta diretamente o indicador.
É importante notar que, apesar da aceleração dos preços no atacado ser expressiva, acreditamos que o grau de repasse para os preços ao varejo não deve ser significativo, principalmente por conta da presença de um nível elevado de ociosidade na economia. A principal fonte de repasse deve ser nos preços de alimentos, cuja demanda deve seguir forte.
Nossas projeções para a variação acumulada do IPCA neste ano estão em 1,8% – abaixo do intervalo do piso da meta para este ano (2.5%), como ilustrado na Figura 5. Assim, o IPCA deve ter a menor variação desde 1998 (1,65%).
Para este ano, a principal fonte de pressão no IPCA deve ser a Alimentação em Domicílio, que deve contribuir com 1,1 p.p. (63%) da variação. A pandemia do novo coronavírus elevou a demanda doméstica por alimentos – contribuiu para isso o isolamento social (que levou ao fechamento de restaurantes e, por conseguinte, uma maior demanda por alimentos no varejo), além do benefício emergencial concedido pelo governo, que mitigou, ainda que parcialmente, o impacto negativo sobre a renda decorrente do aumento do desemprego. Ao mesmo tempo, a demanda externa (favorecida pela depreciação do real, que torna mais baratas as exportações) também permaneceu fortalecida – sobretudo de carnes para suprir a demanda chinesa [2].
Para 2021, esperamos que o IPCA termine o ano em 3,2%. Apesar dessa projeção ser ligeiramente mais conservadora do que o consenso – mediana do Relatório Focus se encontra em 3% – ainda indica inflação abaixo da meta para o próximo ano. A principal razão para isso está no elevado grau de ociosidade da economia – tal como no mercado de trabalho, por exemplo, que deve demorar mais para se recuperar ao longo do próximo ano.
Com relação à política monetária, acreditamos que o Copom manterá a taxa de juros inalterada, em 2% a.a., ao longo de 2021 e começará a normalizar a política monetária a partir do primeiro trimestre de 2022 – por conta da perspectiva de convergência da inflação à meta daquele ano. Não obstante, reconhecemos que a incerteza em torno da sustentabilidade fiscal continua elevada e constitui o principal risco à manutenção dos juros baixos no país – e, portanto, pode antecipar a elevação da taxa Selic.