Cenário Econômico: A situação fiscal brasileira

30/10/2020

Cenário Econômico: A situação fiscal brasileira

Conforme apresentado em conteúdos anteriores, o ano de 2020 ficou marcado pelo surgimento da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Por ser uma doença nova, e consequentemente não ter algum tratamento ou vacina comprovadamente eficaz, a forma encontrada pelas autoridades para conter a proliferação do vírus foi o emprego de medidas de isolamento social.

Apesar de se mostrarem eficazes na contenção do vírus, essas medidas impactaram negativamente a economia de diversos países. Com o fechamento de escolas, bares, fábricas, hotéis, e restaurantes muitas empresas fecharam ou demitiram os seus funcionários e diversas famílias perderam as suas fontes de renda. Os governos, então, tiveram um papel essencial nesse cenário, adotando diversas medidas fiscais para conter o impacto da pandemia nas economias de seus países.

No Brasil, a situação não foi diferente e o panorama fiscal – que já era complicado – se deteriorou ainda mais. Diante disso, analisaremos a evolução da situação fiscal ao longo deste ano, bem como abordaremos as perspectivas para os anos seguintes.

A PANDEMIA E OS GASTOS DO GOVERNO

O orçamento do governo para o ano de 2020 – elaborado antes da pandemia – tinha como meta um déficit primário de R$ 124,1 bilhões. Entretanto, no contexto da pandemia, foi promulgado o decreto legislativo 6/20, reconhecendo a ocorrência do estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020.

Com isso, o governo ficou dispensado de atingir os resultados ficais propostos na elaboração original do orçamento e ganhou amparo jurídico para promoção de políticas públicas de enfrentamento à crise provocada pela Covid-19.  Na prática, o governo ficou autorizado a alocar novas despesas não projetadas no orçamento de 2020, gastando com infraestrutura médica hospitalar, insumos, e com programas de transferência de renda e de auxílios às empresas.

Conforme pode-se perceber na figura abaixo, os gastos da União com a Covid-19 já somaram R$ 452,6 bilhões até o momento e a previsão atual (29/10) é que eles cheguem a R$ 587,7 bilhões. É importante notar que os gastos com as medidas implementadas foram aumentando ao longo do tempo, e atualmente estão bem acima das projeções iniciais. Também não se pode confirmar que, de fato, os gastos totais com as medidas serão de R$ 587,7 bilhões – como projetados atualmente – pois as incertezas com relação à extensão dos programas permanecem, bem como o número de pessoas físicas/jurídicas que ainda podem se beneficiar das medidas.

Figura 1: Gastos da União com COVID-19;
Fonte: Tesouro Nacional. Elaboração: SOMMA Investimentos.

Outro aspecto importante a ser notado, é que grande parte dos gastos até o momento foram referentes auxílio emergencial a pessoas em situação de vulnerabilidade (R$ 241,48 bilhões). Em seguida, aparecem os gastos com auxílio Financeiro aos Estados, DF e Municípios, gastos de (R$ 78,05 bi). As medidas com benefícios emergenciais de Manutenção do emprego e da Renda também somam parcela expressiva, com R$ 28,37 bilhões de despesas pagas.

Por fim, um aspecto notável é que o Brasil foi um dos países que mais gastou com medidas fiscais (em % do PIB), ficando acima da média dos países avançados (7,1%) e acima da média dos países em desenvolvimento (4,3%). Considerando que o país é um dos emergentes com um nível de endividamento mais elevado – Dívida Bruta do governo geral em 88,7% em 2019 – não é de surpreender que a situação fiscal do país tenha ficado ainda mais complicada.

Figura 2: Medidas Fiscais Países em Desenvolvimento;
Fonte: Fundo Monetário Internacional: SOMMA Investimentos.

O CENÁRIO FISCAL EM 2020 E 2021

Quando olhamos pela perspectiva dos gastos do governo – que aumentaram em decorrência da pandemia – fica evidente a deterioração fiscal das contas públicas na qual o ano de 2020 deve se encerrar. Entretanto, também é importante observarmos que a arrecadação foi bastante afetada pela contração da atividade econômica neste ano.

Segundo a Instituição fiscal independente (IFI) em suas projeções mais recentes, a arrecadação prevista pelo governo federal em 2020 deve cair até 12%, não recuperando as perdas provocadas pela pandemia. Em relação à previsão inicial para o ano, e como consequência da crise econômica, a estimação da arrecadação primária que era de R$ 1,64 trilhão caiu para R$ 1,45 trilhão.

Assim, os impactos primários das medidas relacionadas à COVID-19 devem representar 8,4% do PIB. Considerando uma variação anual do PIB de -4,7% para 2020 e considerando os efeitos da perda de arrecadação, as estimativas do Ministério da Economia indicam que o déficit primário seja de 12,5% esse ano. Conforme pode ser observado na figura abaixo, esse é o pior resultado para a série histórica e representa a interrupção de uma melhora das contas públicas que vinha acontecendo desde 2017.

Para o ano que vem, a proposta orçamentária prevê um déficit de R$ 233,6 bilhões. Segundo o Ministério da Economia, isso representaria cerca de 3,1% do PIB.

Figura 3: Resultados fiscais;
Fonte: Banco Central do Brasil: SOMMA Investimentos.

Já com relação à dívida, as estimativas do Ministério da Economia indicam que ela deve chegar a 67,8% (Dívida Líquida) e 93,9% (Dívida Bruta).  No cenário básico, as dívidas se estabilizariam em 2027 para então começarem a decrescer. No que diz respeito à dívida bruta, ela atingiria seu maior valor em 2026, alcançando 97,9% do PIB.

Figura 4: Dívida Pública;
Fonte: Banco Central do Brasil: SOMMA Investimentos.

Por fim, é importante notar que todos os cenários apresentados pelo Ministério da Economia pressupõem que os gastos com a pandemia estarão restritos ao ano de 2020. Ainda, há o pressuposto de que um novo programa de transferência de gastos estaria englobado dentro do teto de gastos, de modo que esse não seja rompido. Caso tenhamos um prolongamento do estado de calamidade pública para o ano que vem, e caso os programas de auxílio e transferência de renda furem o teto, o cenário para o resultado primário e para a dívida pública seriam inevitavelmente piores.

OS GASTOS DO GOVERNO E O TETO DOS GASTOS EM 2021

Outro aspecto importante a ser notado é que o Orçamento do próximo ano já está comprometido em decorrência do aumento recente dos indicadores de inflação – pressionados principalmente pela alta de determinados alimentos e devido ao repasse da depreciação cambial e dos preços de produtos ao atacado.

Mesmo que não haja a criação de um novo programa de distribuição de renda – e sem o acionamento de gatilhos que controlem os gastos – o teto corre a possibilidade de ser rompido. O efeito do aumento do INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor – sobre as despesas do governo pode ser observado na tabela abaixo.

Figura 1: Gastos do governo e indexação;
Fonte: BTG Pactual. Elaboração: SOMMA Investimentos.

Conforme destacado, o Teto dos gastos é reajustado pelo IPCA – que deve apresentar alta de 3,2%. Por outro lado, 54% dos gastos obrigatórios do governo (gastos com previdência, assistência social e seguro-desemprego) devem ser reajustados pelo INPC – cuja alta está prevista em 3,5%.  Essa discrepância nas projeções entre os indicadores pode ser explicada pela sua composição – o INPC atribui um peso maior aos preços de alimentos do que o IPCA – e pode gerar um déficit de aproximadamente R$ 20 bilhões na âncora fiscal em 2021.

Assim, mesmo que não ocorra a criação de um novo programa de transferência de renda pelo governo e/ou haja a prorrogação de auxílio emergencial, a ativação de gatilhos fiscais e a aprovação da PEC de emergência é essencial para que o teto não seja rompido no próximo ano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme pode-se perceber, a situação fiscal do país já era preocupante mesmo antes de a pandemia atingir o país. O decreto de calamidade pública – que permite que o governo não cumpra a meta fiscal – e as medidas impostas para tentar conter os impactos da pandemia na economia, fizeram com o que o cenário se deteriorasse ainda mais.

Diante disso, a aprovação de medidas como a reforma administrativa e como a PEC Emergencial são essenciais para que o teto seja cumprido. Caso contrário, ele poderia ser rompido já no ano que vem – mesmo sem a criação ou prorrogação de nenhum programa de transferência de renda.

Nossa expectativa, entretanto, é de um cenário mediano – onde o teto será esticado, mas o comprometimento fiscal não será abandonado – havendo aprovação das medidas consideradas essenciais. Acreditamos ser difícil que nenhum programa de transferência de renda seja criado, ou que o auxílio emergencial não seja estendido. O cenário mundial para a pandemia ainda segue desafiador – conforme a 2ª onda da doença na Europa vem mostrando – e no Brasil, o panorama não será diferente. Até que exista uma vacina aprovada e amplamente disponível para a população, existirá o risco de novas medidas de isolamento social que podem novamente impactar a pandemia.

Assim, nesse cenário serão necessários mais gastos com medidas para minimizar os impactos da pandemia no país, mas eles devem ser mais específicos e devem ser acompanhados de medidas de comprometimento fiscal. Caso contrário, a situação fiscal do país pode se deteriorar ainda mais, impactando diretamente a retomada do crescimento econômico do país, desancorando as expectativas de inflação e acelerando a trajetória de elevação da taxa de juros brasileira.

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